quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

O QUE ESTÁ ACONTECENDO NA IGREJA CATÓLICA? [Tiago de França da Silva]

Colaboração de Fernando da Cruz Pereira com um texto de Tiago de França da Silva, extraído do site, ADITAL, Notícias da América Latina e Caribe, do dia 03/12/2014.

Tiago de França da Silva
Adital


Introdução
Pediram-me uma palavra sobre a situação atual da Igreja Católica, considerando a caminhada do papa Francisco à frente da Igreja. Tal situação tem se mostrado complexa e exige discernimento e prudência para uma análise que não se deixe levar por visões apaixonadas. A paixão tira a visão e o discernimento reclama tranquilidade. Com este artigo queremos oferecer uma síntese a respeito do cenário eclesial atual. Esperamos contribuir com o esclarecimento da realidade, evitando toda e qualquer confusão. Esta parece ter tomado conta do mundo, assim como de muita gente na Igreja.
Como filhos que desejam o bem de sua mãe, coloco-me como aquele que se recusa a fechar os olhos para seus defeitos, com o objetivo de ajudá-la a ser aquilo que Deus quer: instrumento de salvação da humanidade. Cremos que a hora atual da Igreja é de um tempo de graça e salvação. Desde Roma, onde se encontram os túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, dois grandes missionários da Igreja nascente, um profeta grita sobre os telhados.
Um profeta latino-americano que deseja a conversão da Igreja. Antes que este profeta seja chamado à presença de Deus, é necessário que a Igreja escute o que o Espírito está falando por meio dele. Quem o escuta? O que escuta? Onde escuta?... Seu nome é simplesmente Francisco, bispo da Igreja de Deus que está em Roma, pastor chamado para trabalhar pela unidade da Igreja que se faz presente em muitos lugares do mundo.
Quem o escuta?
Quando um profeta fala, os poderosos se sentem incomodados, juntamente com seus aliados. Isto acontece porque, desde os tempos bíblicos, os profetas não falam de si, nem para si, nem de suas próprias ideias. Não inventam nada, mas simplesmente transmitem a palavra de Deus. São portadores de uma palavra que não passa, mas que é eterna. Uma palavra que corta como espada de dois gumes. O corte desta palavra fere, esclarece, liberta. O corte da verdade da palavra se parece com o fogo que consume. Este fogo queima e destrói o que é contrário à vontade de Deus. Isto é inevitável. Não há força humana capaz de deter este fogo.
Na Igreja Católica há homens poderosos, desde os tempos em que a mesma se aliançou com os poderosos deste mundo. Quase não há mulheres poderosas porque a estas não foi dado participar do poder. O clero é obrigatoriamente masculino. As mulheres devem dar graças a Deus por não pertencerem ao clero, tal como está configurado até o momento.
Os homens de poder na Igreja, depois do papa, são os cardeais, com suas poderosas funções e postos; os senhores arcebispos e bispos, com suas Igrejas particulares, e os padres, com seus títulos e ofícios. Os diáconos, quer temporários, quer permanentes, praticamente não ocupam funções que possam lhes conferir poder na Igreja. São colaboradores da ordem presbiteral, como os padres o são da ordem episcopal. Na prática é assim.
Uma grande parcela destes cardeais, arcebispos, bispos e padres mantêm estreita relação com os poderosos deste mundo: com homens e mulheres do mundo da política e do empresariado, que representam instituições de poder secular. Os que não tem alianças com esta gente, fecham-se numa vida luxuosa, gozando da pomposidade e da bajulação.
Basta visitar ou tomar conhecimento do estilo de vida destes clérigos para ver de perto a situação escandalosa e corrupta que levam. Uma vez que não vivem a opção pelos pobres, mas pelos ricos, inevitavelmente, compartilham das inúmeras manias e falcatruas da gente rica que explora o povo de Deus. Estes clérigos podem até falar em pobreza, assim como da opção dos pobres, mas desconhecem o real conteúdo do que falam. São fariseus, que jogam pesados fardos nas costas do povo, mas eles mesmos se recusam a carregar tal fardo.
Nos púlpitos, muitos destes clérigos elogiam o papa Francisco, mas somente elogiam, pois não tem coragem de colocar em prática as orientações do seu magistério pontifício. Outros, porém, sequer fazem referência ao papa, com exceção da oração eucarística, na qual o papa é mencionado e em seu favor se reza. Estes clérigos estão insatisfeitos com o atual pontificado porque o papa está denunciando a corrupção na qual estão envolvidos.
Enquanto o papa trabalha, diuturnamente, por uma Igreja missionária, voltada para fora de si mesma; eles lutam para que ela continue na letargia, parada no tempo, ensimesmada. Para isto, agem como os mestres da lei e fariseus do tempo de Jesus: manipulam, esvaziam o evangelho, enganam o povo de Deus, camuflam a realidade com seus discursos e ações superficiais, investem em um cristianismo de mero louvor, desvinculado da realidade. Não passam de meros funcionários do templo que, após terem cumprido seus compromissos rituais, retornam para o conforto de suas casas, vivendo distantes do povo.
Entre os leigos também encontramos inúmeras pessoas que rejeitam a mensagem do papa Francisco. São os leigos conservadores, educados no magistério dos papas João Paulo II e Bento XVI, que se sentem frustrados porque o papa atual não se gloria da infalibilidade papal, mas se reconhece pecador como os demais cristãos; porque não retira os paramentos antigos do museu do Vaticano, cobertos de ouro e feitos de tecidos caríssimos; porque não defende a ultrapassada moral sexual da Igreja; porque insiste no tema da opção pelos pobres e na recepção da teologia da libertação na vida eclesial e porque se utiliza mais do remédio da misericórdia do que dos velhos e desnecessários anátemas de muitos de seus predecessores.
Estes leigos conservadores colocam a doutrina, o direito canônico, os costumes e as tradições acima do evangelho de Jesus. Escutam a proclamação do evangelho nas celebrações, mas optam pelas leis, costumes e tradições ultrapassadas. Estão se perguntando: "Meu Deus, como o colégio de cardeais elegeram este homem para ocupar a cadeira de Pedro?!...” Amam a figura histórica do papa, mas não gostam daquele que está ocupando-a.
No mundo secular, também os poderosos não estão gostando nem um pouco das palavras do papa Francisco. Acham-no exagerado e contaminado pelo marxismo. Não gostam quando escutam o papa condenar, veementemente, o capitalismo selvagem. Depois de décadas de pontificados marcados pela opulência, os ricos não compreendem um papa falar em opção pelos pobres e excluídos. Afirmam que a fala do bispo de Roma é puro comunismo, não evangelho. Na verdade, pensam assim porque não conhecem o evangelho. Dominados pelo espírito do capitalismo, ignoram o evangelho.
Muitos comparecem às celebrações, são mencionados pelos bispos e pelos padres, recebem cumprimentos e bênçãos, mas não se convertem. São iguais ao jovem rico, que até cumpria os mandamentos, mas se recusou a renunciar à riqueza para seguir Jesus. É muito difícil um rico renunciar a riqueza para seguir Jesus na pobreza. Os ricos tem medo do evangelho porque este é perigoso e ameaça a sua riqueza. Por isso, preferem "seguir” Jesus sem aceitar a mensagem do evangelho! Vivem mergulhados em um cristianismo sem futuro, ou seja, superficial e aparente.
Quem escuta os apelos dos profetas são os pobres e seus servidores. Somente a estes é possível a acolhida do apelo ao amor. Isto acontece porque são livres. Não vivem segundo a lógica do mundo, mas segundo a lógica do Reino de Deus. Inúmeras pessoas que não se enquadram nas categorias acima mencionadas, acreditam, esperam e trabalham por uma Igreja cada vez mais aberta, humana e verdadeiramente missionária.
Estas pessoas, leigos e clérigos, estão vibrando de alegria e se sentem edificadas com o testemunho profético do bispo de Roma. Na Igreja Católica, fazem parte dos movimentos e pastorais que agem segundo o evangelho de Jesus. Nos Seminários e Casas de formação, os seminaristas clericalistas não se identificam com o papa porque desejam o poder, querem ser padres-autoridades, não padres-missionários. Apesar de ainda não serem padres nem bispos, estes seminaristas possuem hábitos parecidos com muitos daqueles: comportam-se como se fossem homens do poder. Nas comunidades, se impõem sobre os católicos mais ingênuos, que facilmente se submetem.
Por outro lado, há os seminaristas mais identificados com a humildade e a simplicidade do povo, que se deixam formar pelos gestos e palavras dos pobres. Estes seminaristas estão muito contentes com o papa Francisco. O testemunho deste é estímulo para a caminhada na formação rumo ao ministério ordenado. No mundo secular, há inúmeras pessoas que mesmo não frequentando os templos religiosos, mesmo não sendo católicas, estão entusiasmadas com o papa, na esperança de que ele reforme a Igreja, sepultando de vez a cristandade que ainda insiste em sobreviver em alguns de seus segmentos.
O que escuta?
Os discursos, as homilias e os gestos do papa Francisco não reforçam o clericalismo que dominou a Igreja nas décadas que o precedeu e é isto que deixa seus opositores inconformados. O papa fala de misericórdia, perdão, partilha, solidariedade, acolhida, mansidão, hospitalidade, justiça, abertura, fraternidade, liberdade, fé, colegialidade, responsabilidade, consciência, evangelho, Reino de Deus etc.
Estas e tantas outras palavras que traduzem a mensagem de libertação anunciada por Jesus de Nazaré marcam o magistério do atual bispo de Roma. Corajosamente, tem denunciado as injustiças que acontecem no mundo. Tem denunciado também a incoerência da Igreja e a corrupção que insiste em permanecer em seu seio. Desse modo, tem agido na direção da reforma da Igreja, apesar das resistências que tem encontrado. Reforma que acontece lentamente, dentro dos limites impostos pelas circunstâncias e forças operantes.
Os que esperavam um papa no estilo de João Paulo II e Bento XVI se frustraram. O papa Francisco é genuinamente latino-americano e fiel às suas origens. Formado nas escolas dos pobres e dos jesuítas, permanece inabalável, convicto de sua missão. Sua firmeza e fidelidade à voz daquele que o chamou são admiráveis. Seu testemunho edifica a Igreja dos pobres e a promove na alegria do serviço apostólico.
Aos poucos, o evangelho de Jesus está reencontrando o seu devido lugar na Igreja: o centro da vida eclesial. As pessoas agora estão experimentando o anúncio da Boa Notícia do Reino de Deus. Nos dois papados anteriores, o evangelho era proclamado porque fazia parte do ritual das celebrações, mas não tinha a devida importância. Dava-se mais importância à moral sexual da Igreja, marcada pela condenação daquelas pessoas que não cumpriam a lei. Hoje, os católicos estão começando a compreender o SIM de Maria, mãe de Jesus, pois durante décadas escutaram o NÃO das proibições e condenações. Atualmente, aprende-se a ser um bom cristão porque não basta ser um bom católico.
Em nenhum momento o papa Francisco vangloria-se do ofício que exerce. Está consciente de que é, em primeiro lugar, o bispo de Roma, chamado a confirmar os irmãos e irmãs na fé. Não tem se cansado de chamar a atenção de cardeais, bispos e padres para a missão, para serem, de fato, missionários da palavra de Deus, e não autoridades que se utilizam do poder para explorar o povo de Deus.
O papa usa de expressões fortes e diretas. Quando necessário, se utiliza da necessária intervenção, demitindo e afastando bispos e padres que provocam escândalos. Na América Latina, um dos casos mais recentes foi o de dom Rogelio Livieres Plano, bispo do Opus Dei, afastado da diocese de Ciudad del Este, no Paraguai, acusado de proteger um padre acusado de pedofilia e pela falta de transparência no uso de dinheiro em sua diocese (possível desvio de dinheiro).
Os fracos e pecadores tem escutado uma palavra de conforto e de esperança. O bispo de Roma tem ido ao encontro dos sem vez e sem voz. Em Roma, acolhe e escuta gente de toda parte do mundo. Humilde, despojado e simpático, tem surpreendido a todos. Não se utiliza de um linguajar teologicamente complexo, como fazia seu predecessor ainda vivo. Não cansa as pessoas com abstrações, mas fala com simplicidade da realidade da vida. Sabe traduzir o evangelho e sua palavra chega ao coração dos aflitos.
Não tem medo de falar abertamente com quem quer que seja a respeito dos pecados da Igreja e dos temas considerados tabus pelos seus predecessores. Promove a abertura para o diálogo e sabe escutar o que o outro tem a dizer. Seus opositores ficam sem saber o que dizer, pois não encontram incoerência em suas palavras. A relação destes com o bispo de Roma é meramente diplomática e há certo respeito porque se trata do Sumo Pontífice, ofício bem explicitado pelo direito canônico; ofício que precisa ser rigorosamente revisto, considerando algumas contradições com o evangelho de Jesus. Com seus gestos e palavras esta revisão da missão pontifícia já está em curso.
Onde escuta?
Qual o lugar teológico e existencial da atuação da Igreja? Considerando a verdade eclesiológica de que a Igreja nasceu para evangelizar, esta evangelização acontece no mundo. Isto parece óbvio, mas na verdade, durante séculos a Igreja fugiu do mundo. Os que almejam a ressurreição da cristandade defendem o retorno de uma Igreja que se refugia noutro mundo, no das abstrações conceituais da fé, da esperança e da caridade.
Neste modelo ultrapassado de Igreja, estas três virtudes se encerram na mera afetividade, no campo das emoções. O estudo dos discursos e práticas religiosas dos que desejam a cristandade se alinham com a dimensão puramente emocional da fé, da esperança e da caridade. A realidade do mundo é excluída. Para os cristãos da cristandade, o mundo pertence ao maligno e a salvação se refere às almas.
Segundo eles, Jesus veio salvar as almas. Portanto, tudo o que é ligado ao corpo é pecaminoso, digno de condenação. No Brasil, basta escutar os padres Marcelo Rossi, Fábio de Melo, Reginaldo Manzotti, Mons. Jonas Abib e Comunidade Canção Nova, entre outros. Estes clérigos e comunidades vivem uma espiritualidade sem evangelho, pautada na fuga do mundo.
O onde aponta, necessariamente, para o lugar que deve ocupar a Igreja no mundo. A pregação do papa Francisco ensina que a Igreja deve ser a advogada dos pobres, promotora da verdade e da liberdade, testemunha da justiça do Reino de Deus (cf. Documento de Aparecida). Precisa reencontrar o seu lugar. Na sua experiência primitiva, encontrava-se na periferia do império romano, sendo perseguida pelos inimigos da cruz de Cristo.
Durante todo o período medieval, ocupou o centro das cidades, com seus templos, mosteiros, conventos e instituições poderosas. Atualmente, o bispo de Roma lança o desafio do evangelho: voltar às origens. Este retorno às origens passa, necessariamente, pela experiência da pobreza, do desapego, portanto, da centralidade de evangelho. Neste sentido, os clérigos precisam fazer o que prometem nas ordenações diaconal, presbiteral e episcopal: serem, de fato, servidores do evangelho.
Isto somente é possível quando a Igreja assumir, afetiva e efetivamente, a pobreza evangélica. A partir daí, os pobres se identificarão com ela. Enquanto isto não acontecer, tudo não passará de discurso, de palavras jogadas ao evento. A proclamação do evangelho continuará não surtindo o efeito necessário porque tal proclamação está intimamente ligada ao testemunho dos pregadores.
Ninguém acredita em um pregador incoerente, e o ditado que se tornou popular que diz: "Faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço”, não produz efeito em uma comunidade genuinamente cristã. Trata-se de um ditado antievangélico. O evangelho nos ensina que a coerência entre o falar e o agir precisa ser buscada e mantida. Quando impera a incoerência, reina o contratestemunho, que destrói a comunidade.
É inadiável esta necessidade que interpela a Igreja: colocar-se do lado dos oprimidos numa clara oposição aqueles que os oprimem. Todo cristão fiel ao evangelho é chamado a atender a esta necessidade. No cotidiano da vida, opondo-se à mentira e a toda forma de exploração. Na hierarquia eclesiástica, aderindo-se à fraternidade e ao espírito de serviço. O povo clama por autênticos pastores, de mulheres e homens que sejam humildes servidores. As pessoas estão, progressivamente, tomando consciência de seu lugar na Igreja e no mundo, e isto as torna amadurecidas.
Não cabe mais na Igreja o tratamento imaturo e infantil que ainda persiste em relação aos leigos. Para que estes assumam a sua missão no mundo e na Igreja é necessário que sejam respeitados, formados e tratados como pessoas adultas na fé. Não há mais lugar para o infantilismo e clericalismo. O fato de bispos e padres terem formação teológica não os faz mais santos e mais sábios que os leigos. Para uma efetiva evangelização, todo espírito de superioridade precisa ser erradicado, dando lugar à fraternidade.
Os leigos não são servidores dos clérigos, mas precisa ocorrer, efetivamente, o contrário. O serviço do povo de Deus é a condição fundamental para o exercício dos ministérios na Igreja. Quem se recusa ao serviço, não deve assumir nenhuma espécie de ministério, pois se o fizer, será causa de escândalo para a comunidade. E todo escândalo precisa ser evitado, para o bem de todo o povo de Deus. O lugar da Igreja é no meio do povo, servindo-o com alegria, generosidade, verdade e liberdade.
Conclusão
A salvação da Igreja não é a salvação da instituição religiosa. Jesus não estava preocupado com a salvação do Judaísmo. O projeto divino contempla a salvação dos seres humanos e de toda a criação, não de instituições criadas pelos homens. Apesar de necessárias, as instituições podem e devem mudar, e quando não se aperfeiçoam no decorrer do tempo, em sintonia com a evolução de todas as coisas, correm o risco de desaparecerem.
O homem não cria coisas eternas, que ultrapassam o tempo e o espaço. Toda criação humana é semelhante ao homem: nasce, cresce, se desenvolve e morre. Todos precisamos nos reconciliar com esta realidade. Esta é imperativa e, consequentemente, inevitável. O possível desaparecimento das instituições religiosas não acarreta o desaparecimento do evangelho porque este não é religioso nem institui religião.
Partindo desta realidade necessariamente mutante, os cristãos precisam escutar os apelos do Espírito presente no mundo. Este Espírito renova todas as coisas na liberdade e para a liberdade. Somente nele os cristãos gozam da liberdade dos filhos e filhas de Deus. Como isto acontece no cotidiano da vida? Não acontece nos êxtases nem nas fugas do mundo, mas na praticidade humilde e despojada dos gestos humanos, realizados no amor. O Espírito conduz, necessariamente, à ação. Onde não há ação não há o Espírito. Este incomoda, desperta, liberta, coloca o peregrino nas estradas da vida, acompanha-o com sua luz e sua força.
Conduzidos por este Espírito, os cristãos não se acomodam nem se conformam ao mundo, mas ultrapassam a si mesmos na direção do outro. No encontro com este outro acontece a fraternidade, dom da graça divina, doada por meio do Espírito. Evitar o outro e querer ser fraterno é uma gravíssima contradição. Não há cristianismo possível sem o outro porque nele Deus revela a sua bondade e misericórdia. Não há outra forma possível de se amar a Deus senão amando o próximo.
Na prática religiosa de nossas comunidades, geralmente, os pobres e as pessoas consideradas "pecadores públicas” são excluídas. Os pastores dão mais atenção às pessoas de "boa aparência” e de condição financeira elevada. Insiste-se na acolhida dos ricos em detrimento dos pobres. Os denominados "católicos praticantes” se sentem mais santos do que os demais seres humanos, principalmente em relação aos que não frequentam o culto e/ou os que não possuem nenhuma prática religiosa. Por isso, habituaram-se a julgar e condenar os estranhos, os afastados, os "relaxados” e todos aqueles que se encontram em situação irregular em relação às leis da Igreja.
Por que esta hipocrisia persiste, mesmo o evangelho dizendo que precisa acontecer justamente o contrário? A resposta é simples: persiste porque estes "católicos praticantes” procuram cumprir a lei, mas não o evangelho. Este não lhes interessa, e não lhes interessa porque é exigente e radical. O evangelho ensina que não há meio termo. Não se admite o amor incompleto às pessoas, ou seja, não se ama mais ou menos. Quem ama permanece com Jesus, unindo-se ao Pai no Espírito. Quem não ama, por mais religioso que seja, não permanece com Jesus e está excluído do Reino de Deus por livre e espontânea vontade. O amor a Deus na pessoa do próximo é a condição essencial para participação no Reino de Deus.
Todas as práticas religiosas podem ser dispensadas, exceto o amor, pois é imprescindível. Jamais haverá renovação do cristianismo se cada cristão não se entregar, incondicionalmente, ao amor. Portanto, o que está em jogo no cenário eclesial atual não é a salvação da Igreja institucional, mas o anúncio do evangelho de Jesus, e este anúncio exige a conversão de nossa vida. Sem colocar-se no caminho de Jesus o cristão não anuncia absolutamente nada. Sem seguimento de Jesus não há anúncio porque este acontece no caminho de Jesus.
Caso esta realidade necessária não seja compreendida e devidamente assimilada com a vida, a Igreja continuará remando nas águas do mar da vida, mas sem chegar a lugar nenhum. O Espírito está trabalhando, diuturna e discretamente, na vida da Igreja e do mundo. É chegada a hora de cada cristão renunciar a seus interesses pessoais e corporativistas para acolher a presença amorosa e transformadora de Deus por meio de seu Espírito, a fim de que o Reino de Deus aconteça.
Deus nos envia os profetas e estes proclamam novos tempos. Por que não os escutamos? Até quando continuaremos dando preferência ao jugo da escravidão? O que nos impede de sermos livres? "É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5, 1). A Igreja precisa de cristãos livres, pois somente na liberdade podem colaborar com a reforma da Igreja-povo de Deus, assembleia dos chamados à participação na glória divina. Quando as pessoas não buscam ser livres, toda aspiração por conversão e reformas se frustra. A transformação acontece quando ousamos experimentar o novo que implica riscos. Quem se deixa controlar pelo medo perde a feliz oportunidade da conversão.
Desde Belo Horizonte – MG, 19/11/14.

Tiago de França da Silva

Estudou Filosofia e Teologia, cursa Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara, autor do blogue http://tiagodefranca.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ORATIO AD SANCTO EXPEDITO