terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Monsenhor Gerardo Naves (1912 a 1974)

 

Projeto música e literatura

Monsenhor gerardo naves

 

1.  Eu, Anibal Werneck de Freitas, nasci no dia 19 de julho de 1948, na cidade de Recreio(mg), filho de Antônio Higyno de Freitas e Wanda Ferraz Werneck de Freitas e tenho como irmãos, Marco Antônio, Janine, Antônio Carlos e Ana Luísa. Sou formado em história e professor aposentado.

2.  Minha avó Luiza Ferraz era muito religiosa e assim, me colocou como coroinha do pe. Celso Campos Sales, na paróquia do Menino-Deus, hoje Nossa Senhora Aparecida. Deste modo, fui encaminhado para o Seminário Diocesano Nossa Senhora Aparecida de Leopoldina(MG).

3.  Estudei de 1961 até 1965 neste educadário e o reitor era o Pe. Antonio José Chamel, atualmente monsenhor.

4.  Rotina do seminário: Todos os dias, acordávamos bem cedinho, sob as badaladas do sino, dadas pelo Reitor Pe. Antônio Chamel, as quais nos faziam, imediatamente pular da cama, escovar os dentes, lavar o rosto, vestir a batina e, em fila, caminhar até à capela para assistir a Santa Missa, em jejum. No início, devido à falta de costume, alguns chegavam a desmaiar durante a cerimônia. 

Ainda de batina, depois da missa, íamos para o refeitório, tomar o café da manhã.

Após o café matinal, havia um pequeno recreio e, até na hora do almoço, um estudo e quatro aulas. 

Durante o almoço, podíamos conversar, mas primeiro tínhamos que ouvir um trecho do Novo Testamento (cada dia era marcado um pra ler), 
Na parte da tarde, mais um estudo, treino de futebol e banho gelado (não tinha chuveiro elétrico).

Já no jantar, não podíamos conversar, e sim, ouvir a leitura da Bíblia e a de um livro escolhido. Lembro-me muito bem de um, O Cão dos Baskerville, de Sir Arthur Conan Doyle, o autor do famoso detetive, Sherlock Holmes e seu auxiliar, Dr. Watson.

Pois bem, depois do jantar, um longo recreio entrava noite a dentro. Eu aproveitava o tempo, pra ouvir a minha orquestra preferida, a do Ray Conniff, principalmente as músicas, Besame Mucho’ e ‘Aquarela do Brasil’.

Findo o recreio, um outro estudo nos esperava. 
Deste modo, pra fechar o dia, íamos pra capela, meditar e rezar a oração da noite.
Às 21 horas, já estávamos todos no dormitório.

5.  O currículo escolar do seminário abordava as seguintes matérias: português, matemática, ciência, história, geografia, artes, latim, francês, inglês e educação física, regida pelo Pe. Antônio Chamel. Os professores que eu me lembro foram: Pe. Antônio Chamel (latim), Átila (matemática), Oiliam José (história), Waldir (matemática), Hudson (inglês), Cidinha (português), dona Limpinha (geografia), dona Dionéia (francês), dona Carmen da Silva Xavier, descendente de Tiradentes (artes).

6.  Leopoldina era uma cidade pacata, a Rio-Bahia não era muito movimentada, a rua principal, Cotegipe, abarcava a maior parte do comércio e a rodoviária não existia ainda, os ônibus paravam na calçada do cinema em frente ao jardim. Conhecida como a Atenas mineira, devido aos bons colégios que tinha, como o Botelho Reis.

7.  Ultimamente fizemos uns encontros dos ex-seminaristas, só com a presença do monsenhor Chamel, porque os demais professores morreram e isto criou um vazio muito grande.

As lembranças foram muitas, primeiro, dos colegas, depois das atividades no campo da música, onde eu criei o trio uirapuru que apresentava no grêmio literário. Em seguida, dos desenhos em quadrinhos do meu personagem, Tucanlino. Pra completar, do Cônego Gerardo Naves, um artista completo, com o qual tive uma experiência muito grande como tenorino, cantando O Sole Mio, Una Furtiva Lagrima e outras do cancioneiro italiano. Além disso, fui protagonista da sua opereta, Os Duendes Da Montanha, além de participar do coral regido por ele, cantando músicas do nosso folclore, de sua autoria e italianas como Va Pensiero.

o Coral do Seminário N. S. Aparecida, Festival de Vozes da Juventude, era regido pelo Cônego Gerardo Naves, contendo anexo o Programa das músicas, divido em três partes: Música Religiosa, Operística e de Câmera e Folclórica.

8.  As aulas de canto eram administradas através do coral, nele o Pe. José Machado e depois o Cônego Naves regiam o coral e assim, separavam os desafinados dos afinados. Os desafinados não eram obrigados a frequentar as aulas de canto.

9.  O Monsenhor Gerardo Naves nasceu em São Sebastião do Paraíso em 03/04/1912 e veio para Leopoldina em 1963. Foi Cura da Catedral desde 1965 e Coordenador da Pastoral da Diocesana desde 1974. Fez seus estudos de Humanidades e Filosofia no Seminário de Guaxupé, Teologia no de Belo Horizonte e, ainda neste último, especialização em Psicologia e Sociologia.

 Lecionou na C.A.D.E.S. e no Colégio São Luiz de Guaxupé, no Colégio Estadual São José do Rio Pardo, no Seminário Diocesano Nossa Senhora Aparecida, de Leopoldina e na Faculdade Santa Marcelina, de Muriaé. Foi professor de Língua Portuguesa, Francês, Literatura Francesa e de Moral e Cívica, chegou também a dar aula de Latim e Francês no Seminário N. S. Aparecida, de Leopoldina, cujas línguas falava fluentemente e aposentou-se no Colégio Estadual Botelho Reis, onde trabalhou no período de 1963 a 1982.

Gerardo Naves foi, também, Capelão da Marinha de Pesca em Arrais das baias de Ilha Grande, Sepetiba e Recôncavos.

Músico, teatrólogo, poeta e prosador, suas obras eram assinadas pelo pseudônimo, Alberto M. Alves, minha mãe Wanda, segundo ela, chegou a ouvir uma novela dele pelo rádio.

Certa vez, eu estava no Clube de Leopoldina com o Naves e de repente apareceu uma dupla sertaneja com um LP nas mãos, estavam programando um show no clube, deste modo, o cônego aproximou-se deles e pediu para ver um disco da dupla, na mesma hora, ele [o Cônego Naves], me mostrou a segunda capa do LP e na relação das músicas gravadas estavam duas com a assinatura, Alberto M. Alves, ele sorriu pra mim, entregou o disco à dupla e em seguida, simplesmente, os agradeceu. Outra feita foi em Ubá(MG), estávamos caminhando para uma igreja, eu, o Naves e alguns seminaristas, e dentro do templo, um coral estava ensaiando uma música para a missa. Pois é, o Cônego Naves simplesmente virou pra gente e disse: - Esta música fui eu que compus. Assim era o grande artista que ele foi.

Eu já não estava mais no seminário quando, certa vez, recebi a notícia de que ele tinha ganhado cinco prêmios na Europa, onze na América do Sul e oito no Brasil.

Ele é o autor do Hino de Leopoldina (Letra e Música).

Em 1954, ganhou o concurso de música erudita do Conservatório de Paris; e, em 1982, comemorando o 20º aniversário daquele concurso, foram convidados 20 mestres da música internacional para julgarem as 19 peças anteriormente vencedoras, saindo-se vitoriosa a composição do Monsenhor Gerardo Naves. Além de tudo isso, como escritor, publicou prosas e versos na ANTOLOGIA LEOPOLDINENSE de 1982.

Segundo o Necrológico da Diocese de Leopoldina(MG), o Monsenhor Gerardo Naves faleceu em 23 de maio de 1985, na cidade de São Sebastião do Paraíso(MG), justamente onde nasceu, aos 73 anos.

 

 

10.              GERARDO COM “R”

Na foto, eu [Anibal Werneck de Freitas] 

conversando com o Monsenhor 

Gerardo Naves na sala do Palácio 

Episcopal da Diocese de Leopoldina/MG.,

o assunto não podia ser outro, música. 

Isto aconteceu no ano de 1980.

Eu já não estava mais no seminário

e, nesta ocasião o Monsenhor me fez

uma proposta de voltar a cantar as

canções napolitanas que ele 

magistralmente me acompanhava ao piano,

hoje me arrependo de não ter aceitado 

a sua proposta. Parece-me que ele não gostou.

 

O nosso companheiro Armando Mercadante nos enviou esta preciosidade extraída no blog do José do Carmo. Assim, de grão em grão vamos fazendo o pão, obrigado companheiro, Anibal.

 

 

A conversa de hoje vem lá dos anos setenta e lembra um personagem muito querido em minha terra, o saudoso Cônego Naves. Falecido em 1985, foi Cura da Catedral de Leopoldina, a cidade mineira onde nasci. Dispunha de todas as virtudes de um bom sacerdote, além de poeta e senhor de apurada cultura. Tinha lá inspirações ideológicas que às vezes irritavam os mais conservadores e costumava ser ranzinza com as noivas. Implicava demais com o tradicional atraso das “prometidas”.

No horário do casamento – valendo aí, com rigor, o que constava no convite – estacava-se, paramentado, à frente do altar e começava a conferir, nervosamente, o relógio. Se a noiva passasse da medida (medida dele) na charmosa delonga da chegada à igreja, a cerimônia podia ser declarada suspensa:

- Eu tinha, hoje, aqui, um casamento a celebrar, mas, infelizmente, o não comparecimento da noiva me obriga a agradecer a presença de todos e convidá-los para a Santa Missa a ser celebrada em seguida...
Um Deus nos acuda! Fazê-lo voltar da sacristia e retomar a cerimônia demandava esforço diplomático. Lágrimas borravam maquiagens primorosas.

Havia outra área sensível: casamento muito fashion. Ora, se noivas pobres não podiam ornamentar ricamente a igreja e entrar ao som de acordes de bom gosto, pompa e luxo deviam ser moderados também nos casamentos da classe média. Assim, coral do Conservatório, música ao vivo, mimosos arranjos de flores na (já) suntuosa Catedral, exigiam latim bem declinado para serem deferidos. Casa de Deus não é lugar de exibição.

Ecce Homo. Possuía, certamente, qualidades que excediam com sobras tais restrições. Era simpático, apesar de tudo, e pronunciava homilias talentosas que agradavam. A par da poesia acima lembrada, cultivava também certo pendor musical, que o levou a compor um belo hino de louvor a Leopoldina. Ele que nascera em São Sebastião do Paraíso.

Deixei meu interior logo após o ginásio e só pelos trinta anos estive, pessoalmente, com o Cônego Naves. Na penosa missão, aliás, de advogado de minha noiva que desejava casar-se ao som de Mozart... Ganhei a causa. Ele concordou não fazer sentido uma professora de piano caminhar, de véu e grinalda, até o altar meio a dezenas de convidados com as orelhas na posição mute.

Mas eis que, meses depois, o encontro no Rio de Janeiro, como protagonista da história que finalmente passo a contar, ocorrida no prédio do Banco do Brasil da esquina de Av. Rio Branco com Av. Presidente Vargas.

Via-me ali, certa manhã, enredado em meus misteres bancários, quando reconheci, no balcão das Ordens de Pagamento, a figura do Pe. Naves. Se querem uma ideia da pessoa, imaginem o Tancredo Neves vestido de batina. Era ele.
Já o atendia o jovem funcionário, José Breno Monteiro de Castro, também mineiro de Leopoldina – aliás, da seleta estirpe dos descendentes do Barão de Paraopeba, de Congonhas do Campo.

Por delicadeza e solidariedade conterrânea, fui apertar-lhe a mão no instante em que José Breno se oferecia a completar, para ele, o formulário.

- Oh, muito obrigado, meu filho, o remetente serei eu mesmo. Escreva aí, Gerardo Naves – Gerardo com R, por favor.

Breno estacou:
- Gerardo com R? Mas que coincidência, Cônego! Também o bispo de Leopoldina é Gerardo, com R!... O nosso querido, Dom Gerardo Ferreira Reis! (Este – anotação que faço agora – citado por Roberto Campos, no livro “A Lanterna na Popa”, como seu ex-colega no Seminário de Guaxupé, MG).

Mas seguiu o José Breno:
- Pelo visto, temos então dois Gerardos no Palácio Episcopal de Leopoldina; o Cura e o Bispo!

Aquiesceu o Cônego naquela entonação pausada e branda dos sermões de domingo:
- É verdade, meu filho. Enorme coincidência. Estamos lá, os dois “Gerardos”, no mesmo Paço Episcopal e na mesma Igreja ¬ a nossa bela Catedral de São Sebastião, sede do bispado de Leopoldina. Mas saiba que nos tornamos “Gerardos” por razões muito distintas! Muito distintas!

- O pai do Senhor Bispo foi homem ilustre, erudito, muito culto mesmo. Convencido de que Geraldo, o nome que pretendia dar ao filho, teria vindo do alemão “Gerhard”, optou pela reverência etimológica, batizando a criança como “Gerardo”.

Já o meu caso foi bem outro, meu filho, muito outro! Meu pobre pai, coitado, era um modesto tropeiro do Sul de Minas, quase iletrado, que ao dirigir-se ao Cartório do Registro Civil mal soube pronunciar corretamente o nome que escolhera para seu moleque. Seria Geraldo, mas ele pronunciou “Gerardo”, neste nosso sotaque matuto de tantas caçoadas... O escrivão, por literal deboche ou proximal incultura, assim me registrou: Gerardo, com R.

E arrematou filosófico:
- Donde eu concluo, meu filho, que em muitos casos ignorância e sabedoria se equivalem.

Sem dúvida, Cônego, sem dúvida.

LISTA DE 66 / 67 - OS DUENDES DA MONTANHA / QUADRO DOS SEMINARISTAS DE 1966 E 1967

 

Os Duendes da Montanha, uma opereta escrita pelo Cônego Gerardo Naves [Alberto M. Alves], na foto, da esquerda para a direita, Eduardo Henriques [Duende do Bem], Anibal Werneck [Carlos, o protagonista da peça] e Hélio [Duende do Mal], ambos os duendes estão tentando persuadir Carlos que estava indeciso, não sabia se ficava na montanha ou descia para a planície.
Os Duendes da Montanha, um teatro cantado e falado, digamos , uma opereta e fez muito sucesso na época, a estreia foi no Clube Leopoldina, depois foi apresentada em cidades como, Cataguases, Ubá, Recreio [Associação Comercial] e outras, no intervalo de uma ato para o outro, o Trio Uirapuru se apresentava, foi realmente um momento mágico que nós seminaristas vivemos na época.
 

11.              FESTIVAL DE VOZES DA JUVENTUDE [Cataguases, 24/11/1963] / VA PENSIERO [Verdi, 1842]

 

 

Eis o ingresso do Coral do Seminário N. S. Aparecida, Festival de Vozes da Juventude, regido pelo Cônego Gerardo Naves, contendo anexo o Programa das músicas, divido em três partes: Música Religiosa,

Operística e de Câmera e Folclórica.

Também, anexo ao ingresso, os nomes dos componentes do coral, dividido em três vozes: barítonos, tenorinos e contraltos, cada uma das vozes com o seu regente.

 

12.              Infelizmente, a única música que eu tenho, sob a sua assinatura, Alberto M. Alves, é Dona Saudade (vou-me embora), que, pra não perdê-la, eu a gravei um vídeo com voz e violão e que se encontra no you tube: https://www.youtube.com/watch?v=cDPS65sipcI

13.              Fiz um outro vídeo com est música comemorando um dos nossos encontros de ex-seminarista e o nosso ex-reitor Pe. Antônio José Chamel: https://www.youtube.com/watch?v=4sBD_oxHWrc

 

Nota: creio que estas são todas as informações que tenho sobre o nosso saudoso, Monsenhor Gerardo Naves.

 

 

ORATIO AD SANCTO EXPEDITO