sábado, 12 de novembro de 2022

DE COMO UM HOMEM RECEBEU O APELIDO DE CORUJÃO EM RECREIO DAS MINAS GERAIS ANTES DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.

 Quem me contou esta história foi o meu pai Antônio Hygino (in memoriam), afirmando que tudo aconteceu realmente. Como vocês podem perceber, esta mania de contar história vem de longe na minha família. Sendo assim, vamos ouvi-lo: "Quando eu abri um barzinho na rua João Perilo, numa casa antiga com telhas de barro, cujo assoalho era de tábuas corridas, em péssimo estado, conheci o  Dinho, irmão do seu Nino que, além de tocar na Banda de Música da cidade, era ferroviário da Estrada de Ferro Leopoldina. Nessa ocasião, Recreio não tinha calçamento, e eu nem era ainda casado com a Wanda. Foi um tempo em que no lado esquerdo da Praça Américo Simão, pra quem sobe pra igreja, morava o Dr. Darcy, médico louvável, tendo no lado oposto, os casarões, do Celino que existe até hoje, em frente ao Grupo Escolar Olavo Bilac, e o da família Melido, que não existe mais. Pois bem, perto desses casarões havia um barranco, que chegava até à linha do trem. Deste modo, com o calçamento da rua, o barranco foi nivelado pela rede ferroviária, para empilhar toras de madeira, pra facilitar o carregamento do trem. Pois é, aí que entra a história do Corujão. Quando chegava o frio, o Dinho, irmão do seu Nino, vestia uma capa preta, e se empoleirava nas toras empilhadas, onde ficava de cócoras se aquecendo sob a luz do Sol. Devido a isso, as pessoas começaram a parar no meio da rua, pra vê-lo. Sendo assim, um dia, alguém estressado de vê-lo todos os dias dessa maneira, não aguentou, e gritou, Saia da tora, Corujão!!!. Ouvindo isso, todo mundo começou a berrar o mesmo: Saia da tora, Corujão!!!. Foram tantas vezes que não deu outra, o apelido pegou. E quando ele se irritava, o pessoal gritava mais ainda: Saia da tora, Corujão!!!". 


NOTA: Eu gravei o meu pai, Antonio Hygino de Freitas (in memoriam), numa fita K7, contando várias histórias interessantes de um Recreio Antigo. Em breve, teremos mais.

Anibal Werneckfreitas, 24/03/2019.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

DE COMO UMA ÁRVORE DITA SAGRADA ASSUSTOU O LUGAREJO DE BREJO DA LUZ NO INTERIOR DAS MINAS GERAIS.




A subida íngreme ia até o topo do morro, numa trilha forjada pela gente do lugar, com o mato espesso, que retardava a caminhada até uma única árvore, bem no alto da colina. Era uma árvore pequena e solitária, que quando contrastava com o por do sol, liberava um cenário bíblico, porque os raios da estrela-mor atingiam-na por detrás e se abriam como um leque em volta da sua copa, era, na verdade, um capricho inexplicável da mãe natureza.
Então, o caso aqui envolve essa árvore, que era considerada sagrada. Quando as pessoas se miravam nela, paravam seus afazeres, se ajoelhavam, e rezavam entoando cânticos de louvor. Os mais velhos diziam ser essa árvore uma réplica da do Paraíso, a proibida por Deus, e causadora da expulsão de Adão e Eva do Éden."Ontem eu saboreei o fruto dessa árvore sagrada, e constatei um sabor amargo insuportável, todavia, mesmo assim, consegui comer um pouco", confessou Expedito para o Seu Antônio da venda, que lhe servia uma branquinha. "Você tá doido, não faça mais isso não, ela é a réplica da árvore do paraíso, que Deus proibiu Adão e Eva de usá-la, portanto, você poderá ser castigado!", censurou-lhe o comerciante. O Expedito virou a bendita goela abaixo e, "Eu não acredito nessas coisas não, é tudo da cabeça do homem, qualquer dia desses vou acabar com essa palhaçada!". "Deixa disso homem, não brinque com coisa séria, lá de cima Ele vê tudo cá embaixo", Ele pode castgá-lo". "Que nada, Ele é a bondade suprema, o máximo que Ele pode fazer é dar um susto nessa gente supersticiosa". "Agora você pegou pesado, ainda bem que sou seu amigo, e somos os únicos aqui na venda, mas, por favor, tome cuidado com o que diz, este lugar é por demais carola, se as beatas ouvirem isso, vão bater no ouvido do padre e aí...". "Aí o quê?, eu sou livre, e tenho o direito de pensar o que eu quero, assim como elas pensam que essa árvore é sagrada, eu penso o contrário". Já bastante nervoso, Expedito foi até o passeio da rua, deu uma cuspida, e voltou, "E tem mais, companheiro, vou lá fora de novo, e gritar tudo isso que lhe falei, bem alto, e em bom tom, aproveite e põe mais uma!". Com as mãos trêmulas, seu Antônio pôs outra dose da mardita e, "Não!, amigo, isso eu não vou permitir na frente do meu estabelecimento, assim você vai acabar com o meu negócio, pense direitinho, não faça isso não!, olha, você nem precisa pagar o que já bebeu, mas pelo amor de Deus, não faça isso não!". Expedito olhou nos olhos do suplicante homem e viu que ele estava muito assustado, "Se aquiete, não vou mais fazer isso não, tive uma ideia melhor, amanhã você verá e, por favor, coloque a saideira, já está ficando tarde". Enquanto Expedito virava o copo derradeiro, Seu Antônio o alertou, como se adivinhasse o que estava para acontecer, "Vê se cure dessa bebedeira, pra não fazer nenhuma besteira, o desrespeito para com esta árvore, certamente se transformará numa maldição muito grande pra você, sem falar no nosso lugarejo, que poderá ser varrido do mapa pelas mãos do Senhor". "E você acredita nessas coisas?, este é o grande problema da humanidade, a facilidade de acreditar em coisas absurdas, a crença nessas coisas é simplesmente assustadora, até quando?, é gente que fala em Deus, e não pratica o perdão, faça-me o favor, não quero mais ouvir nada, pra mim chega!, e volto a dizer que Deus é a bondade suprema!". Assim, cambaleando, Expedito pegou um litro da distinta, pagou a conta, e vazou direto pela porta da frente, sumindo na rua deserta, já escura pela noite chegando, ainda dando pra ver a Árvore Sagrada se delineando sob os últimos raios do sol. Por sua vez, Seu Antônio fechou o bar, tomou um banho, jantou, e foi dormir.
Tudo corria nos conformes, todavia, durante a madrugada, o som de um machado perturbou o povoado, pela primeira vez, e, no entanto, ninguém se levantou pra ver o que estava acontecendo.
Enfim, no dia seguinte, Brejo da Luz acordou em polvorosa. A balbúrdia era geral, todo mundo olhava pro morro, e não via mais a Árvore Sagrada. Como loucos, todos correram morro acima pra ver o que tinha acontecido, e assim, viram a árvore aos pedaços espalhada pelo chão e, quanto ao Expedito, todos sentiram a sua falta. Em meio a tudo isso, alguém gritou: "Estão vendo o que acontece com quem desafia Deus?", vamos rezar e pedir perdão a Deus pelo maluco que fez isso". Seu Antônio ouvia tudo, calado. Segundo a lenda, se isso acontecesse, Brejo da Luz seria varrida do mapa, por isso, todos se ajoelharam, e, temerosos, esperaram pelo pior, ou seja, o aniquilamento total do arraial. Nesse mesmo dia fatídico, uma missa foi rezada em louvor ao Senhor na Capelinha de São Judas Tadeu. Desta maneira, o pessoal, temeroso, ficou esperando pelo dia seguinte. E pra por mais lenha na fogueira, o padre Orlando na homilia, tinha sentenciado, "Deus não vai perdoar tal afronta, pelo visto, o nosso povoado, Brejo da Luz, não passará de amanhã!".
Com estas palavras apocalípticas, ninguém conseguiu dormir naquela noite. Uma vigília varou madrugada adentro, muitas rezas foram rezadas, e assim, finalmente, o Sol apareceu, todos olharam pro céu, esperando pelo pior, todavia, este estava mais azul, que o de costume, até o canto dos galos parecia mais bonito, os passarinhos saindo das árvores em busca do sustento, faziam uma avoaçada nunca vista igual, a natureza parecia transbordar de alegria e, como era de se esperar, "Deus seja louvado!, Ele nos perdoou!", todos exclamavam em uníssono, e, depois de um bom tempo de louvação, a alegria de não terem perdido a pele sobrepujou à perda da Árvore Sagrada, e tudo voltou ao normal.
Apesar desse dia tão alvissareiro, só uma coisa intrigava a todos, ou seja, a venda do Seu Antônio, que estava com as portas fechadas, logo ele, que tinha o hábito de madrugar no seu ofício. Pois é, acharam bastante estranho, e assim, chamaram o Pedrinho, acostumado a ajudar sempre o comerciante, para averiguar o que tinha ocorrido. O menino entrou pela janela quebrada dos fundos, enquanto que, do lado de fora, todos ansiavam pela sua volta. Minutos depois, retornou dizendo que na casa não tinha ninguém, trazendo nas mãos um bilhete. "Que bilhete é este?", perguntou-lhe o sacerdote, tomando-lhe a missiva de modo brusco, a qual passou a ler pra todo mundo ouvir, "O Expedito tinha razão!". Um silêncio se fez ouvir, mas ninguém entendeu a mensagem lacônica, nem mesmo o padre.

Anibal Werneck de Freitas, 08.11.2022

ORATIO AD SANCTO EXPEDITO